O vazio negro no gol da Seleção Brasileira

Pós-copa de 1950, Moacyr Barbosa foi considerado o maior culpado pela derrota contra o Uruguai no Maracanã e isso não prejudicou somente a sua carreira, mas se tornou um estigma para todos os goleiros negros do país.

Lucas Martins de Lara
Por Lucas Martins de Lara - Redator PFQL 5 Minutos de Leitura

Pós-copa de 1950, Moacyr Barbosa foi considerado o maior culpado pela derrota contra o Uruguai no Maracanã e isso não prejudicou somente a sua carreira, mas se tornou um estigma para todos os goleiros negros do país.

A convocação para a Copa do Mundo de 1950 foi a coroação para a carreira de Barbosa como melhor goleiro do país. A ótima atuação contra os argentinos do River Plate no Sul-Americano de Clubes de 1948 garantiu ao goleiro do Vasco da Gama a vaga na Seleção Brasileira para a Copa América de 1949.

O vazio negro no gol da Seleção Brasileira

Chamado por Flávio Costa, comandante do goleiro também no Vasco da Gama, Barbosa disputava a preferência com Oberdan Cattani, goleiro ídolo do Palmeiras e Castilho, ídolo do Fluminense.

O técnico de Vasco e Seleção Brasileira já era criticado há muitos anos, mais precisamente desde 1939, pela sua preferência aos combinados cariocas na Seleção Brasileira. Isso também pesou muito nas críticas a Barbosa no pós-copa.

O vazio negro no gol da Seleção Brasileira

Após o mundial de 50, a seleção brasileira ficou um ano sem atuar – quase como uma forma de luto pelo título que escorregou das mãos. Ao voltar a campo em 1952, pelo Campeonato Pan-Americano, o Brasil atuou em toda a competição com Castilho debaixo das traves.

O Brasil chegou ao fim do torneio como campeão, após 4 vitórias e 1 empate. Durante o torneio, Castilho foi vazado apenas duas vezes e consolidou-se como arqueiro do Brasil até 1953, quando o próprio Barbosa voltou a ser titular contra a Bolívia, mas nem mesmo o placar de 8×1 em favor do Brasil devolveu a titularidade para Barbosa. Após o jogo, e no restante da disputa, Castilho voltou para o gol.

Pouco tempo depois, em um confronto entre Vasco e Botafogo pelo Rio-São Paulo de 1953, Barbosa sofreu uma grave lesão na tíbia e no perônio após uma dividida com o atacante Zezinho. Precisando ficar afastado do esporte por algum tempo, Barbosa conseguiu superar a depressão causada – não só pelo ferimento, mas também pela Copa de 3 anos antes, graças à torcida vascaína.

O arqueiro superou as adversidades e atuou como goleiro até 1962. Porém, nunca mais retornou à Seleção Brasileira.

Moacyr Barbosa faleceu em 2000, sem qualquer posse e lembrado só pelos mais íntimos. Muitos destacam uma de suas frases mais famosas, proferida em 1993:

“Qual a pena máxima no Brasil? Não são 30 anos? Pois eu já estou há mais de 40 cumprindo e ninguém esquece. Se eu fosse um criminoso vulgar, eu entenderia. Mas, qual foi meu crime? Qual foi meu pecado?”

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Após Barbosa, um goleiro negro voltou a atuar como titular em competições oficiais pela Seleção (agora canarinho) somente em 1966, na Copa do Mundo. Na ocasião, Manga, do Botafogo, iniciou a última partida da fase de grupos. Tendo vencido a Bulgária e perdido da Hungria, a seleção brasileira precisava da vitória na última rodada contra Portugal para se classificar, porém sofreu um revés de 3×1 e com duas falhas pontuais de Manga.

Com isso, o Brasil caiu ainda na fase de grupos da Copa do Mundo de 1966 e Manga foi considerado grande culpado pela eliminação. O detalhe é que o Brasil fez uma Copa irregular desde o início e as alterações para o último jogo, que possibilitaram a Manga iniciar o jogo como titular, foram a esperança do técnico Vicente Feola para a classificação.

Depois do mundial, o goleiro chegou a atuar somente mais uma vez pelo Brasil, mesmo tendo uma carreira sensacional por clubes. Iniciando no Sport, o arqueiro chegou ao Botafogo em 1959, clube que defendeu por 10 anos. Após sua passagem pelo Rio, Manga rumou para o Uruguai, defender o Nacional – onde ganhou a Libertadores e o Mundial de clubes. Retornando ao Brasil, o goleiro defendeu o Internacional entre 1975 e 1976, onde ganhou o Gaúchão de 75 e o Campeonato Brasileiro duas vezes.

Após a passagem pelo Inter, Manga defendeu o Operário do Mato Grosso do Sul, o Coritiba e o Grêmio. Inclusive, sua ida para o Grêmio representou a quebra do acordo tácito entre a dupla Gre-Nal de nunca contratar um jogador que atuou no rival. Depois do Imortal, Manga ainda rumou para o Equador para defender o Barcelona de Guayaquil, onde foi campeão equatoriano de 1981, aos 44 anos.

O dia do goleiro no Brasil é comemorado no dia 26 de Abril em homenagem ao nascimento de Manga.

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Após a atuação de Manga em 1966, levaram extensos 40 anos para que um goleiro negro voltasse a se consolidar como titular pela seleção brasileira em uma competição oficial.

Convocado pela primeira vez na Copa América de 1995, Dida participou apenas em dois jogos na competição: contra Equador e Peru, ambos vencidos pelo Brasil. Dida foi para a Copa do Mundo de 1998, mas era a terceira opção de Zagallo, ficando atrás de Taffarel e Carlos Germano, do Vasco.

Em 2002, Dida foi novamente convocado, mas dessa vez ficava atrás de Marcos e Rogério Ceni na titularidade. Durante o ciclo pós 1998, o goleiro participou da maior parte dos jogos da Seleção e foi de fato preterido com relação a Marcos no período próximo à Copa.

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Após o mundial na Coréia e no Japão, Dida se consolidou na Seleção e chegou com a preferência pela titularidade em 2006, mas mesmo sendo titular absoluto do Milan, um dos clubes mais fortes da Europa na época, a titularidade de Dida foi contestada.

56 anos depois do Maracanazo, a culpa atribuída a Barbosa já havia causado muitos estragos na cultura do futebol brasileiro. Em um texto para o jornal Lance!, Chyco Anysio chegou a falar da escolha de Dida para a Copa do Mundo:

“Não tenho confiança em goleiro negro. O último foi Barbosa, de triste memória na seleção”

O vazio negro no gol da Seleção Brasileira

Infelizmente essa não foi a última declaração polêmica envolvendo Dida ou goleiros negros. Em 2018, enquanto analisava o desempenho de Jaílson do Palmeiras, Edílson Capetinha afirmou:

“O Dida não era negão. É pardozinho.”

Seguindo, Edílson ainda chegou a revelar uma conversa que teve com Zinho, que também estava no programa, ainda no Palmeiras:

“A gente tava jogando, Guarani e Palmeiras […] e o goleiro fazendo milagre, pegando cada bola. Aí eu passo por ele dentro do jogo e falo: Zinho tu não vai fazer gol hoje? Aí tu falou: esse goleiro é negão, daqui a pouco ele erra. Aí 43, chutaram uma bola de longe, a bola passou e ele [Zinho] passou por mim correndo, comemorando: tá vendo o que eu falei? É goleiro negão. Goleiro negão sempre toma gol […] [Oswaldo] Paschoal, tem coisas do futebol que vocês que não jogaram não entendem. Goleiro negão é igual…”

A fala de Edílson, negro e ex-atleta demonstra como os os goleiros negros são colocados como inferiores.

O vazio negro no gol da Seleção Brasileira

Em um estudo de 2019, foi constatado que 106 goleiros passaram pela Seleção Brasileira em toda sua história. Desses, 96 eram brancos e apenas 14 negros – cerca de 13% se colocarmos em porcentagem.

De 2019 para cá, o número de goleiros negros na Seleção Brasileira não aumentou. A última atuação de um arqueiro negro pela Canarinho foi em 8 de Outubro de 2015, quando Jéfferson atuou na partida contra o Chile pelas Eliminatórias para a Copa do Mundo.

O vazio negro no gol da Seleção Brasileira

Fontes da redação:

https://www.bolanaarea.com/reg_rio-sp_1953.htm

https://www.ocuriosodofutebol.com.br/2022/05/a-lesao-que-mudou-vida-do-goleiro.html

https://www.ogol.com.br/edicao/campeonato-panamericano-1952/59930

https://pt.wikipedia.org/wiki/Manga_(futebolista)#T%C3%ADtulos

https://www.ogol.com.br/edicao/inglaterra-1966/28?fase=11017&grupo=111

https://terceirotempo.uol.com.br/que-fim-levou/dida-4373

https://rsssfbrasil.com/sel/brazil201415.htm

https://www.terra.com.br/nos/barbosa-a-historia-do-goleiro-negro-que-foi-idolo-do-vasco-e-condenado-pela-derrota-na-copa-de-1950,a67c3811ed164f6a2f750f73721e3b8dcq6u1gz7.html

https://www.espn.com.br/futebol/artigo/_/id/8365688/discipulos-de-barbosa-falam-de-estigma-sobre-goleiro-negro-racismo-e-tambem-exaltam-o-velho-camisa-1-abriu-portas

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Redator apaixonado por futebol e viciado no Palmeiras.
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