Futebol é para rico…. não para todos

A luta dos clubes tradicionais e pequenos no futebol brasileiro: desafios, história e como resgatar o futebol raiz diante do avanço dos clubes-empresa.

Paulo Jorge
Por Paulo Jorge 4 Minutos de Leitura

“Só os Loucos Sabem”.

Parafraseando uma belíssima música do Charlie Brown Jr., essa frase descreve muito bem os torcedores de equipes pequenas e tradicionais no Brasil. Não quero aqui desconstruir certas coisas, como a paixão da torcida do Vasco, o fanatismo dos corintianos ou a magnitude da torcida do Flamengo, mas quero mostrar que os “resistentes” ao grande, ao atual, ao “modinha” estão — e sempre estarão — vivos no futebol brasileiro e mundial.

É muito “fácil” torcer para um dos 12 gigantes do país. É, de certa forma, mais tranquilo torcer para uma Ponte Preta, Guarani, Paysandu, Remo, entre outros, que têm torcidas menores, mas incrivelmente apaixonadas. Esses torcedores consomem o clube, abrem mão de partes de suas vidas e seguem suas equipes onde quer que elas estejam.

Há milhares de loucos que dedicam horas de suas vidas agitadas para viver o verdadeiro futebol raiz, que ainda sobrevive. Temos dois exemplos bem conhecidos: o tricolor Kleber Monteira, que dedica horas a pesquisas, resgata histórias de times extintos e valoriza equipes pequenas; e o torcedor que vai na contramão de tudo, Álvaro Marques, que torce única e exclusivamente pelo Resende.

Até quem vos escreve tem um time de coração e outros dois pelos quais presta um serviço de resgate histórico e, quando possível, acompanha algum jogo: Olaria e Bonsucesso. Mas vamos partir desse pequeno universo do futebol carioca.

No Estado do Rio de Janeiro, temos cinco divisões: A (Primeira), A2 (Segunda), B1 (Terceira), B2 (Quarta) e Série C (Quinta). Esta última, com parte dos jogadores sub-23, é o ponto em que pretendo me debruçar neste texto.

Se analisarmos todos os times que participaram em 2024 dessas divisões, chegamos a um total de 48 equipes profissionais – sem contar Goytacaz, Macaé e Barra da Tijuca, que pediram licença. A grande maioria desses times é composta por equipes tradicionais, antigas, com muita história, que inclusive participaram do início do futebol carioca e ajudaram na construção do esporte. Essas equipes, ano após ano, literalmente sobrevivem para manter suas atividades.

Neste ano, por exemplo, tivemos a suspensão do Rio São Paulo na Quarta Divisão porque o clube não conseguiu pagar as taxas da federação. Casos como esse são comuns em praticamente todos os anos.

Por outro lado, vemos o surgimento de clubes ascendentes, os famosos “times de CNPJ” (clubes-empresa), que contam com um capital de giro e investimentos muito maiores do que muitos dos times tradicionais que ainda estão em campo.

Um exemplo disso foi a ascensão de equipes como o Niteroiense, Zinza e o próprio Barra da Tijuca. São times com pouca história, mas que possuem um manager ou estrutura empresarial por trás, focados em vender jogadores e se manter nesse “futebol rico”. Algo que 90% dos times tradicionais, mergulhados em dívidas, não conseguem alcançar. Equipes dessas também temos no exemplo nacional, que estão crescendo de forma assustador.

No cenário carioca, nos últimos anos, estamos “travando” essa guerra, e sempre uma equipe de ambos os lados acaba chegando à final. No ano passado, por exemplo, o tradicional e de camisa pesada São Cristóvão perdeu a final para a equipe criada praticamente poucos meses antes, mas com um poder financeiro muito maior: o Zinzane.

A realidade das equipes tradicionais do Brasil é marcada por muita dificuldade e falta de apoio das federações locais. Esses clubes são obrigados a pagar altas taxas de inscrição, enfrentam a ausência de estratégias de marketing para a divulgação dos campeonatos, contam com patrocínios baixíssimos e, muitas vezes, não têm sequer o apoio da população local, que mal sabe que, naquele momento, está acontecendo um jogo profissional.

Curiosamente, em várias ocasiões, há mais pessoas assistindo aos jogos das categorias de base, como sub-20 ou sub-17, do que aos jogos do time profissional.

A pergunta que fica é: por que as federações não realizam um trabalho efetivo de divulgação do próprio produto?

De uns anos para cá, nem mesmo premiações estão sendo oferecidas, nem para o campeão, que sai do torneio levando exatamente R$ 0. Nas divisões inferiores, os clubes literalmente pagam para jogar, sem nenhum tipo de retorno.

Alguns clubes que possuem sede social conseguem se sustentar e ajudar a pagar as contas com essa estrutura. Mas, e aqueles que não têm a parte social? Qual é a fonte de renda?

Em entrevista com um dirigente do Olaria, ele me afirmou que a parte social praticamente sustenta o clube. Porém, devido às contas bloqueadas, a diretoria precisa encontrar maneiras de evitar que os recursos sejam penhorados e garantir a sobrevivência do time.

Como podemos ajudar essas equipes, sem depender exclusivamente de dinheiro, a se reestruturarem financeiramente e resolverem de uma vez por todas as pendências que as impedem de crescer?

Um calendário anual seria uma das soluções, mas não basta apenas isso. A ajuda da CBF e das federações seria fundamental, não apenas na forma de doações financeiras, mas, principalmente, promovendo e valorizando os campeonatos locais.

Além disso, a criação de mais divisões regionalizadas, com uma fase nacional posterior, poderia ser uma alternativa viável. Isso permitiria que os clubes reduzissem custos de logística, empregassem jogadores e buscassem patrocínios ao longo de todo o ano, inserindo-se em um calendário contínuo e sustentável.

Se nada for feito, nossos queridos clubes formadores irão desaparecer, e estamos assistindo a isso de camarote. Que loucos como nós possamos encontrar forças para continuar a lutar pela sobrevivência dos times tradicionais e por um futuro mais justo no futebol brasileiro.

Futebol é para rico.... não para todos
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Futuro jornalista , professor de história formado pela Unisuam , pesquisador do futebol e do subúrbio Carioca . Torcedor do Gigante da Colina.
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