O ano era 1992. Sob o comando de Richard Møller Nielsen, a Dinamarca conquistava a sua primeira Eurocopa ao derrotar a então campeã mundial, Alemanha, por 2 a 0 na decisão. O torneio, realizado na Suécia, ficou marcado por diversas curiosidades históricas e políticas, mas trouxe também uma mudança importante nas regras do futebol que passou quase despercebida: o fim da permissão para o goleiro pegar um recuo com as mãos. Quer entender melhor o motivo dessa mudança e suas consequências? Vem com a gente que será tudo explicado!
Introdução
Primeiramente, é importante ressaltar que, segundo as regras do futebol, um goleiro não pode “tocar a bola com as mãos depois de ela ter sido intencionalmente passada com o pé por um jogador de sua equipe”. Neste caso, configura-se punição com um tiro livre indireto e a aplicação de um cartão amarelo para o jogador. O mesmo vale para o caso de um atleta receber a bola no pé, levantar propositalmente e recuar deliberadamente de cabeça para o goleiro. Recomenda-se, dessa forma, que o jogo seja paralisado e marcado o tiro livre indireto por “conduta inconveniente”.
No entanto, vale lembrar que nem sempre foi assim. A permissão do recuo chegou a ser fortemente discutida após a Copa do Mundo de 1990, na Itália, que contou com a menor média de gols da história das copas. O futebol era cada vez mais conservador, defensivo, e perdia-se muito tempo com as práticas “anti-jogo” das equipes que estavam em vantagem no placar. Assim, após o final da Eurocopa de 1992, a International Board decidiu abolir a regra com o intuito de deixar o jogo mais dinâmico e ofensivo.
Contexto
Como dito anteriormente, os jogos estavam cada vez mais lentos e conservadores, a média de gols dos campeonatos era cada vez menor e o público já não estava mais interessado no produto como antes. Então, o treinador suíço Daniel Jeandupeux, do Caen, escreveu uma carta para a FIFA, em 1992, propondo uma pequena alteração na regra. No ofício, ele sugeria dar três segundos para o goleiro soltar a bola, e, após esse tempo, ele não poderia agarrar novamente. A regra atual não saiu exatamente da mesma forma, mas o conceito permaneceu.
Ainda na justificativa, Jeandupeux afirmava que o goleiro François Lemasson, do próprio Caen, era um dos atletas que mais gastava tempo no futebol mundial, ficando equivalente a 42% do tempo com a bola nas mãos em uma única partida.
A necessidade da mudança, no entanto, foi decretada com a decisão da Eurocopa daquele mesmo ano. Na ocasião, a Dinamarca, vencendo a seleção Alemã desde o início do jogo, passou a usar e abusar da regra com o objetivo de deixar o tempo correr enquanto estivesse em vantagem. Peter Schmeichel, goleiro dinamarquês, recebeu a bola de seus defensores em 29 oportunidades e ficou com ela nas mãos por mais de 5 minutos no total. O árbitro, porém, só acrescentou um minuto ao final de cada tempo.
Aplicação e novas regras
No final de julho de 1992, foi anunciada a mudança e a disputa do primeiro grande torneio sob a nova regra: os Jogos Olímpicos de Barcelona. A partir daí, as partidas passaram a ser mais dinâmicas e aceleradas, com muitas equipes utilizando da pressão alta como um recurso para recuperar a bola no campo de ataque. Apesar de dividir opiniões entre os jogadores, o novo modelo passou a ser aceito e gerou um grande efeito dominó, mudando inclusive o comportamento tático dos times dentro de campo.
Posteriormente, a International Board anunciou outras modificações com o mesmo intuito. Em 1997, passou a ser proibido que o goleiro pegasse com as mãos o arremesso lateral de um jogador da própria equipe, e, em 2000, entrou em vigor a regra dos 6 segundos, que dizia que o goleiro poderia ficar com a bola nas mãos por no máximo este tempo. Já em 2019, veio a última mudança implementada pela associação: no tiro de meta, a bola não precisa mais sair da área para entrar em jogo.
Em entrevista ao Globo Esporte, Carlos Alberto Parreira, ex-treinador da Seleção Brasileira, aprovou a “revolução” e a adaptação ao novo estilo de jogo:
“O jogo estava muito monótono. Você pressionava, o zagueiro dava a bola para o goleiro e ele pegava com a mão. Lembro de um Brasil x Costa Rica na Copa de 1990 enfadonho ao extremo. O jogo não fluía, era um recurso usado descaradamente. A mudança foi a grande revolução após a lei do impedimento. Virou outro futebol”, disse.