Copa de 1978: Polêmicas, suspeitas e interferências políticas na Argentina

A Copa de 1978, realizada sob a ditadura militar argentina, foi marcada por controvérsias e suspeitas de manipulação política, onde o futebol se tornou uma ferramenta de propaganda e controle social para o regime de Jorge Rafael Videla.

Sérgio Amaral
Por Sérgio Amaral 5 Minutos de Leitura

A Copa do Mundo de futebol realizada na Argentina no ano de 1978 foi um evento controverso. A ditadura civil-militar que estava estabelecida no país teve grande controle sobre a competição, tornando-a uma forma de propagação de ideais nacionalistas internamente e buscando melhorar a imagem do país no exterior.

É sempre bom lembrar, que a América do Sul entre as décadas de 1960 e 1980, eram dominadas por regimes militares, e que, usar o esporte como forma de promover positivamente esses governos, era algo bastante comum, vide o Brasil na Copa de 1970, em que a seleção era usada como propaganda do governo Médici.

A importância do futebol na política da Argentina era evidente. Assim que chegou ao poder, a Junta Militar passou a gerenciar a programação das emissoras de televisão que, a partir de então, só exibiam programas estatais, com exceção, é claro, das partidas de futebol, que puderam ser apresentadas livremente. Além disso, o futebol era um grande motor da popularidade de um indivíduo; de sorte que, antes de ingressar na política, os aspirantes iniciavam sua carreira como líderes de times de futebol, assim seu reconhecimento estava garantido.

Em várias partes do mundo, como na França, houve campanhas de boicote ao Mundial de 78 na Argentina, devido ao mesmo ferir os Direitos Humanos da época. Assim que tomou o poder, o presidente Jorge Rafael Videla criou o EAM 78 (Ente Autarquico Mundial 1978) entidade responsável pela organização do mundial. O EAM teve de construir três estádios e reformar outros três. Para o Ministério da Economia, os gastos da Copa seriam extremamente onerosos para os cofres públicos, que já estavam esfacelados pelos custos da ditadura. Mas, a Junta Militar queria exibir a força e a paz da Argentina para o mundo a qualquer custo.

Além de investimentos na infraestrutura, a FIFA exigiu a transmissão em cores das partidas. Essa exigência levou o governo militar a criar o 78 TV, emissora oficial da Copa. Os jogos em cores foram transmitidos apenas para as residências do exterior, pois a tecnologia não pode abranger todo o país a tempo, de modo que só a partida final foi apresentada em cores para as casas argentinas.

A AFA (Associação de Futebol da Argentina), que antes do golpe de Videla era responsável pela organização da Copa, a partir de 1976 foi-lhe delegada somente a preparação da seleção nacional que, desde 1974, estava a cargo de Cesar Luis Menotti. O técnico trabalhou para que a população argentina “se sentisse em campo”. Com o objetivo de manter a seleção “pura”, Menotti proibiu que jogadores da seleção fizessem parte de times no exterior.

Uma vez em campo, os argentinos fizeram uma boa primeira fase, perdendo somente para a Itália. Estavam num grupo com 3 europeus (Itália, França e Hungria). Os resultados foram: 2×1 a favor tanto contra a Hungria como contra a França e 0x1 contra a Itália. Avançaram em segundo no Grupo 1, com 4 pontos (na época a vitória valia somente 2 pontos, só a partir da copa de 1994 passa a valer 3 pontos) atrás da Itália que fez 100% (6 pontos). No grupo 2, passaram o forte time da Polônia com 5 pontos e a Alemanha Ocidental com 4 pontos em segundo. No grupo 3, onde estava o Brasil, ele avança em segundo, com os mesmos 4 pontos da Áustria, que ficaria em primeiro. O polêmico empate em 1×1 com a Suécia (onde o árbitro apitou o final da partida com a bola no ar, com o Zico mandando pra rede no que seria o gol da vitória brasileira), 0x0 contra a Espanha e a vitória de 1×0 sobre a já classificada Áustria, gol de Roberto Dinamite. Por fim, no grupo 4, o alvo da polêmica Peru passa em primeiro com 5 pontos e a Holanda (sem seu principal jogador Cruyff) fica em segundo com 4 pontos.

A segunda fase, ou semifinais, foi formada por dois grupos de quatro. Em um deles, Argentina, Brasil, Peru e Polônia lutaram por uma vaga na final. Um empate sem gols entre brasileiros e argentinos, vitórias do Brasil (sobre Peru, 3 a 0, e Polônia, 3 a 1) e triunfo da Argentina por 2 a 0 sobre os poloneses deixaram a classificação brasileira nas mãos dos peruanos, na rodada final. Seria necessária uma vitória por quatro gols de diferença para que os argentinos superassem o Brasil no saldo e seguissem para a decisão.

O placar que a Argentina precisava foi alcançado já aos cinco minutos do segundo tempo, quando Luque marcou um minuto após Kempes – o mesmo já tinha feito um gol no primeiro tempo (Tarantini fez o outro). Houseman, aos 22, e Luque, de novo, aos 27, fecharam a conta em 6 a 0 para os argentinos.

No futebol atual, é difícil entender como Brasil x Polônia e Argentina x Peru não foram realizados, na rodada decisiva, no mesmo horário. Mas aquilo não era uma estranha novidade, fato já ocorrido, por exemplo, na Copa anterior, em 1974. A Seleção Brasileira jogou às 16h45, em Mendoza, e venceu os poloneses antes de esperar pelos argentinos, às 19h15. A Argentina entrou em campo sabendo o que precisava para avançar e eliminar o rival sul-americano.

O time argentino era fortíssimo. O Peru vinha de uma boa campanha, com vitórias sobre Escócia (3 a 1), Irã (4 a 1), empate com a Holanda (0 a 0) e derrotas para Brasil (3 a 0) e Polônia (1 a 0). O primeiro tempo foi duro, mas logo no começo da etapa final a Argentina atropelou os peruanos.


Apesar de Quiroga ter virado um personagem central, as imagens dos seis gols não mostram falhas do goleiro, que sempre negou acusações e ainda levantou suspeitas sobre companheiros. Em 1998, ao jornal “La Nación”, ele afirmou que “coisas raras” aconteceram antes do jogo, como a visita de Videla e militares argentinos à concentração do Peru. Afirmou ainda que o zagueiro Rodolfo Manzo foi jogar no futebol argentino depois da Copa do Mundo. Em tom racista, Quiroga afirmou que negros do seu time foram subornados.

Semanas depois da partida, o governo argentino doou 35 mil toneladas de trigo para o Peru. A suspeita de fraude era clara. O mistério ronda a FIFA e as duas seleções até hoje. À época, obviamente, o controle militar não permitiu a veiculação de qualquer suspeita sobre aquela semifinal. Na final contra a Holanda, os argentinos ganharam seu primeiro título mundial. Enfim, o slogan “25 millones de argentinos, jugaremos el mundial” se cumpriu, fazendo com que milhares de argentinos fossem às ruas comemorar a inédita vitória, esquecendo da ditadura que lhes oprimia.  Enquanto os personagens daquele 21 de junho de 1978 estiverem vivos, novos relatos podem surgir. O que ninguém muda: a Argentina tinha, sim, um timaço, venceu por 6 a 0 e seguiu para a final contra a Holanda, no Monumental de Nuñez. O time do artilheiro Mario Kempes (fez 6 gols naquela edição), venceu por 3 a 1, na prorrogação, e deixou o país em festa. Para alegria do ditador Videla. O Brasil ficou em terceiro lugar, após vencer a Itália por 2 a 1.

Naquele jogo contra o Peru, a Argentina entrou em campo com: Ubaldo Fillol, Jorge Olguín, Luis Galván, Daniel Passarella e Alberto Tarantini, Omar Larrosa, Américo Gallego (depois Miguel Oviedo) e Mario Kempes, Oscar Ortiz, Leopoldo Luque e Daniel Bertoni (depois René Houseman). Técnico: César Menotti (não é o cantor sertanejo).

Copa de 1978: Polêmicas, suspeitas e interferências políticas na Argentina
FOTO: REVISTA PLACAR
Historiador, pesquisador sobre futebol e torcedor da Sociedade Esportiva do Gama.
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