Quando há barreiras para amar, os seres humanos naturalmente resistem e lutam por aquilo que acreditam. Existe uma história, um grupo e uma causa, que é uma das maiores provas de amor e resistência da sociedade brasileira.
Um grupo revolucionário criado no meio de uma ditadura virou exemplo e inspiração, mostrou ao país e ao mundo que AMAR é um direito de todos e que nos dias mais sombrios, um ato gentil pode mudar tudo.
Contaremos a história da “Coligay” a primeira torcida LGBT+ do BRASIL! 🏳️🌈
Você conhece a Coligay?
Começou com poucos torcedores, mas torcedores fervorosos, intensos e apaixonados, Torcedores que apoiaram o Grêmio na vitória de 2×1. Torcedores que ajudaram a colorir as arquibancadas do estádio Olímpico e a história do Grêmio Football Porto Alegrense.
Criada em 1977 por Valmor Santos, a Coligay foi a primeira torcida LGBT+ do Brasil. Localizada em Porto Alegre, o nome da organização de seu pela junção do nome de uma boate que era propriedade do Valmor, a Coliseu, com o termo “gay”. A ideia da criação de uma torcida específica para o público LGBT+ não foi algo repentino, mas uma ideia gestada há muito tempo.
“A Coligay era uma ideia muito antiga, eu já pensava nisso há muito tempo. Eu sou gremista fanático desde que nasci e sempre tive vontade de organizar uma torcida. Achava que os torcedores do Grêmio eram muito parados, que não sabiam incentivar o time. Então, no início deste ano, quando eu senti que o Grêmio realmente iria ser o campeão, decidi formar o grupo” disse o criador da Coligay e fanático pelo Grêmio. A existência da Coligay coincidiu com um período de vitórias do Grêmio, iniciado pela conquista do Campeonato Gaúcho, que o clube não vencia desde 1968.
O primeiro jogo com presença da Coligay foi em uma partida entre Grêmio e Santa Cruz em 10 de abril de 1977, no estádio Olímpico, em uma partida válida pelo Campeonato Gaúcho. Na época, as únicas torcidas organizadas do Grêmio eram: a Eurico Lara, torcida oficial, e a Força Azul, torcida independente do clube.
Uma das grandes marcas da Coligay era a paixão exacerbada. Os “coliboys”, como eram chamados, rodaram todo o interior do Rio Grande do Sul atrás do Grêmio. Como prova de paixão, chegaram a alugar uma kombi para que pudessem acompanhar o Grêmio em todos os cantos do estado gaúcho. Além de torcer efusivamente, a primeira torcida gay do país apoiou a candidatura
Mas nem tudo eram flores. A Coligay sofreu grande perseguição dentro dos estádios, principalmente no estádio Olímpico. Os demais torcedores hostilizaram, agrediram e tentaram de todas as formas intimidar e coibir as manifestações não normativas dentro dos estádios. Os próprios dirigentes eram complacentes e não se posicionavam contra as manifestações homofóbicas. Em entrevista à revista Placar, Valmor comentou sobre a represália que sofreu da torcida dos próprios gremistas:
“O que eles não entendem é que antes de tudo somos gremistas, que vibramos de paixão pelo nosso clube. Toda essa turma que está aí já vinha ao estádio há muito tempo, e a única diferença é que agora estamos reunidos, torcendo numa boa, na nossa, entende?”.
A criação da Coligay coincidiu com o período da ditadura militar, com isso, sofreu repressão por parte do estado como a vigilância da Delegacia de Costumes. Como força de resistência à homofobia sofrida dentro e fora dos estádios, Valmor instruiu aos componentes da torcida aprenderem karatê. A torcida se reunia todos os sábados à tarde para ensaiarem os cantos para os jogos e organizarem os ideais.
A curiosidade marcante da torcida era a fama de pé quente. Após grande período em jejum, o Grêmio voltou a ser campeão exatamente em 1977. A fama se estendeu tanto que o Corinthians fez um convite para que os torcedores fossem à São Paulo para que ajudasse a findar um jejum de títulos que já superava os vinte anos. A fama se comprovou e o Corinthians se consagrou campeão paulista.
Na década de 80, Volmar precisou voltar para Passo Fundo, sua terra natal, por motivos pessoais. Com a ausência do criador, a torcida foi perdendo força, até sua extinção em 1983.
Mesmo na história, a torcida Coligay causou polêmica com o passar do tempo. Houve sucessivas tentativas de apagamento da história ao longo das décadas, mas o legado se manteve vivo. Em torno da metade da década de 2010, a torcida voltou a ser lembrada a partir da publicação de livros e artigos, além da crescente de pessoas LGBT+ inseridas dentro do futebol.
Em 2014, surgiu no Facebook a torcida Grêmio Queer, ao mesmo tempo em que outras torcidas queer eram criadas no Brasil.
Três anos depois, no Dia Internacional Contra a Homofobia, Bifobia e Transfobia, o Grêmio exibiu a mensagem “A diversidade nos fortalece” na parte de trás da camiseta dos atletas, em jogo contra o Fluminense. Um mês depois, o clube postou em suas redes sociais referentes ao Dia do Orgulho LGBT. Nenhuma das duas ações, contudo, citou a Coligay.
Em 2017, houve um movimento de retomada da torcida, entretanto por motivos de ameaças vindas de grupos homofóbicos, o projeto não deu seguimento.
Como forma de manter o legado vivo, o movimento Tribuna 77, criado por torcedores do clube, enaltece o papel de combate à homofobia que a Coligay assumiu.
Uma homenagem à torcida também está presente num painel no Museu do Grêmio, que afirma que ela “encarou a ditadura e tomou para si o desafio de reerguer a moral do clube”.
O momento de maior enaltecimento por parte do Grêmio se deu no dia 10 de abril de 2021, quando comemorava os 44 anos do primeiro jogo com a presença da torcida Coligay. O Grêmio lembrou o legado da torcida no Twitter.
Outras torcidas pelo Brasil tentaram construir grupos de torcida LGBT+, mas não foram tão duradouras como a Coligay. A FlaGay, do Flamengo, estreou em 1979, mas não obteve o mesmo sucesso.
Tornou-se símbolo de “praga” nas palavras do presidente Márcio Braga quando o Flamengo perdeu para o Fluminense por 3×0.
Torcedores do Inter tentaram fazer parte da Coligay, mas foram impedidos por motivos óbvios. Mais para frente, um grupo de torcedores se juntaram para criar a Interflowers, sendo uma tentativa frustrada.
“Ela foi espetacular na sua transgressão das normas de gênero. E continua sendo. Mas infelizmente, a gente não conseguiu a partir da experiência da Coligay pluralizar de forma mais perene o que é torcer no Brasil “, afirmou o doutor em Educação pela UFRGS Gustavo Bandeira, autor do livro “Uma história do torcer no presente”.
O Brasil viveu um hiato de quase 30 anos sem a presença de torcidas LGBT+ organizadas. Em 2013 alguns grupos decidiram buscar espaço dentro das arquibancadas.
Clubes como o Vasco da Gama e Bahia protagonizam a luta por mais justiça para a comunidade no meio do futebol.
O clube carioca em 2022 pintou o São Januário com as cores da bandeira LGBT, além da produção de uma camisa com a faixa com as mesmas cores. O Vasco convocou as torcidas organizadas para que não cantassem cânticos homofóbicos nos jogos.
O Bahia, principalmente nas redes sociais, dá um show no assunto, conscientizando e dando visibilidade para as lutas da comunidade.
📝 Texto escrito por @gabrielfreitts