Galera, se eu te disser que o antigo time do Andarahy aposentou outro clube, você acredita?
O time da Grande Tijuca foi campeão da segunda divisão em 1915, numa época em que o campeão da segundona disputava uma vaga com o último colocado da primeira divisão para decidir quem jogaria na elite no ano seguinte.
Andarahy e Rio Cricket, time dos ricos homens de Icaraí, se enfrentaram em uma série de três jogos. Antes mesmo da grande história dos “Camisas Negras”, os times de pobres e operários do Vasco, campeões cariocas de 1923, já havia um outro time operário que fazia os “ricos” comerem grama.
A disputa foi acirrada. Os dois primeiros jogos, eletrizantes, terminaram empatados em 2×2. O terceiro jogo precisava de um vencedor!
Na Rua Guanabara , em 21 de novembro de 1915, o time de operários realizou o milagre. No primeiro tempo, o Rio Cricket vencia por 2×1. Mas, determinados a mostrar que o futebol era para todos e que a vaga seria deles, o time da Zona Norte virou para 4×2 de forma épica.
A derrota dos ricos para os pobres foi tão marcante que, logo depois desse episódio, o Rio Cricket encerrou seu departamento de futebol. Coincidência? Acho que não!
Usando essa passagem pela história do futebol carioca, convido a todos para uma reflexão: como o futebol começou? A quem devemos agradecer por sua existência e desenvolvimento?
Já começo respondendo: à elite!
Sim, o futebol se desenvolveu graças à elite. É claro que, rapidamente, o esporte penetrou nas camadas mais pobres, muito por conta da criação de times ligados às fábricas, como Bangu e o próprio Andarahy. Provavelmente, os jogadores desses times levavam o esporte para as periferias, popularizando-o entre a classe operária.
Entretanto, não podemos negar que o futebol chegou, se desenvolveu e cresceu graças ao financiamento de quem podia pagar por ele. Era, afinal, um esporte caro, que exigia altos custos e infraestrutura, algo que apenas os grandes clubes, compostos por pessoas financeiramente estáveis, poderiam bancar naquela época.
Um dos principais erros ao pesquisarmos e tentarmos reconstruir o passado é a generalização. Quem generaliza trabalha com a ignorância.
Abordar a importância da elite em certos setores da sociedade é, sem dúvida, mexer em um vespeiro. No entanto, como bom historiador, é meu dever mostrar que nem todo personagem elitista era um “demônio racista” que odiava o pobre.
O Brasil sempre enfrentou um problema social grave: um país dividido entre ricos e poderosos detentores de influência, uma classe média vivendo conforme a “maré” e os pobres sobrevivendo.
Quando o futebol chegou ao Rio de Janeiro, os primeiros clubes, sim, eram ligados à elite. Com uma exceção notável: um time vindo diretamente de uma zona rural, ligado a uma fábrica que tinha condições de bancar o esporte para seus operários — o Bangu.
Sim, o time do Bangu, que participou do Campeonato Carioca de 1906, o primeiro da história, era um clube ligado à Fábrica de Tecidos Bangu, oriundo da zona rural da cidade. Era um time de operários que, além de tudo, já contava com um jogador negro em sua equipe: Carregal.
A mesma elite, frequentemente condenada, contribuiu diretamente para o desenvolvimento do futebol, um esporte que, com o tempo, deixou de ser apenas elitista para alcançar as massas e se tornar uma paixão nacional.
Depois dos anos de 1910, diversas empresas grande, médias e pequenas financiavam equipes de futebol , comprava uniformes, materiais , etc… para a prática do esporte por parte dos seus empregados, um momento de laser em meio ao estressante trabalho .
É claro que boa parte da nossa elite, de fato, tinha projetos que visavam marginalizar os pobres e os negros. Atuavam nos bastidores para que certas ideologias se manifestassem em nossa sociedade, perpetuando desigualdades e preconceitos.
No entanto, cabe a nós, como pesquisadores e historiadores, fazer um exercício profundo de investigação. Precisamos buscar, no meio de um grande lamaçal, aquele “charque bom para comer”, ou seja, reconhecer os raros exemplos de ações positivas e progressistas que surgiram mesmo dentro de contextos elitistas.
