Sem qualquer conotação homofóbica ou preconceituosa, o troca-troca no futebol foi inventado por um tricolor carioca. Mais especificamente, pelo magistrado Francisco Horta, em 1976. Eleito presidente do Fluminense, Horta montou o que depois ficaria conhecido como “A Máquina Tricolor”, ou ainda “Esquadrão Imortal”. A PFQL te conta um pouco mais sobre o surgimento desse time…

Esse time, campeão carioca em 1975 e 1976, fez história não só no Rio de Janeiro como no Brasil todo, além de excursionar com muito sucesso pela Europa. Horta começou trazendo o craque Rivelino (comprado por 400 mil dólares) e Paulo César Caju, dois craques da seleção de 70 e que ainda estavam em forma na época. Não satisfeito, o dirigente negociou com o presidente do Flamengo, Hélio Mauricio, e propôs uma troca entre três atletas de cada time. Do Fluminense para o Flamengo foram Zé Roberto, Toninho Baiano, e Roberto. Do Flamengo para o Fluminense foram: Renato (goleiro), Rodrigues Neto, lateral que chegou à seleção Brasileira, e Doval, grande ídolo da torcida rubro-negra, e principalmente das garotas de Ipanema. O ano de 1976 (o mesmo da “invasão corintiana”) acabou sendo o de maior média de público da história do Fluminense.

As principais conquistas da “Máquina Tricolor” foram:
Bicampeão Carioca em 1975 e 1976, Campeão do Torneio de Paris em 1976, Campeão da Copa Viña Del Mar em 1976 e “Encantador de Plateias Europeias” em 1976.
Com ajuda dos contatos que Paulo Cesar Caju tinha na Europa, o Fluminense organizou uma amistoso contra o melhor time da época, o Bayern de Munique, que seria naquele ano tricampeão europeu e Campeão Mundial de Clubes. Jogando contra cinco campeões mundiais da Copa de 1974, o Flu ganhou por um a zero, gol contra de Gerd Müller.
Outra proeza foi vencer o Torneio de Paris, derrotando o PSG. Depois, passou por uma forte seleção europeia, escolhida pela imprensa francesa.
O time base era: Renato (Félix); Rubens Galaxe (Toninho), Carlos Alberto Torres (Assis), Edinho e Rodrigues Neto (Marco Antônio); Carlos Alberto Pintinho, Cléber (Paulo Cézar Caju), Dirceu (Manfrini) e Rivellino; Gil (Cafuringa) e Doval (Zé Roberto).
Técnicos: Paulo Emílio (1975) e Mário Travaglini (1976).

O fato é que os flamenguistas não gostaram da troca, e Fluminense realmente montou um timaço. Quem não gostou também foi o jogador Zé Roberto, que tinha finalmente conquistado a titularidade no time do Fluminense, barrando o lendário Mario Sergio Pontes de Paiva, e teve que sair, reclamando muito do que chamava de escravidão, pois nem consultado o jogador foi.
Em um Fla x Flu depois do troca-troca, em 17 de maio de 76, com um público de 155.000 pagantes, Zé Roberto entrou em campo e foi saudar a torcida, mas acostumado a ser jogador do Flu, se dirigiu à torcida tricolor, ao invés de saudar a massa vermelha e preta. Foi vaiado, recebeu copos d’água e um saco de pó de arroz na cabeça, e ainda foi acusado de ter ido provocar a torcida adversária….
Até o cantor e compositor assumidamente flamenguista Jorge Ben Jor, fez uma música saudando a novidade no futebol:
“Troca-troca, troca-troca, Quero ver trocar, Se não troca, o homem troca, É melhor trocar”
O mais curioso é que, anos depois, o mesmo Francisco Horta foi contratado pelo Flamengo para comandar o futebol rubro-negro como manager, uma espécie de diretor de futebol profissional remunerado.
Na época, o Flamengo tinha levado uma rasteira do Vasco com a contratação do ídolo Bebeto pelo time de São Januário. Foi um choque, e o presidente Gilberto Cardoso decidiu trazer um especialista em montar times bons. Em maio de 1990, Horta desembarcou na Gávea, e, lógico, sofreu uma grande rejeição, não só dos flamenguistas como também dos tricolores, que tinham eleito Francisco Horta como o “presidente eterno” e quase cancelaram o nome dele como Grande Benemérito do clube das Laranjeiras.
“– Sou tricolor, mas estou Flamengo e sempre fui fascinado por seu gigantismo.” Há relatos muito curiosos dessa passagem do Horta pelo Flamengo, como a primeira reunião que ele fez com o elenco e pediu para todos darem a mão em um círculo e que repetissem em uníssono: – “Bota fé que dá pé! Vamos repetir… Bota fé que dá pé”!

Depois, durante os jogos Horta ficava ao lado do técnico Jair Pereira e dava nota aos jogadores: “O melhor foi o Uidemar. Vai ganhar um poodle”. Victor Hugo, um zagueiro viril era chamado de “homem de ferro”: “O homem de ferro hoje foi nota três! Júnior Capacete, você precisa melhorar, nota cinco!”.
Renato Gaúcho, estrela do time e na época com o maior salário do futebol brasileiro, reagiu com declarações pesadas e o clima chegou a esquentar. Muito querido por todos, Uidemar, com toda a sua pureza comentou ao lado do campo: “- Minha mulher está me cobrando o cachorro, Dr., ela gosta muito de poodle…”. A passagem foi rápida, durou apenas cinco meses, mas foi marcante, apesar de não ter conseguido levar o jogador Neto para a Gávea, que era um dos seus sonhos.
A primeira copa do Brasil conquistada pelo Flamengo foi praticamente sob seu comando. Na verdade, Horta foi demitido em 5 de outubro de 1990, um mês antes da decisão, e a final foi em 1º de novembro, onde o Goiás foi derrotado por um a zero, em Juiz de Fora. Aliás, no mesmo palco onde Zico se despedira do futebol no ano anterior, contra o próprio Fluminense.
Mas nem tudo deu certo nas trocas de jogadores realizadas pelo Horta. Em outro troca-troca, ainda pelo Fluminense, o resultado foi ruim, e quando indagado por que tinha trocado Paulo César Caju, Gil e Rodrigo Neto por Marinho Chagas, do Botafogo, Horta assumiu: “- Erro meu!”
Hoje em dia, os estaduais foram esvaziados, mas até o final do século passado esses torneios eram muito valorizados pelas brincadeiras que se tornavam possíveis entre os rivais estaduais. Então, para ter noção do que foi este troca-troca inventado pelo Francisco Horta, é preciso entender a importância do Campeonato Carioca para os torcedores do Rio de Janeiro, e de certa forma para os torcedores dos times cariocas espalhados pelos outros estados do Brasil. Francisco Horta foi mesmo um revolucionário e ainda está vivo, aos 90 anos, completados em 23 de setembro passado.