Os efeitos da altitude

Gustavo Diniz
Por Gustavo Diniz - PFQL 4 Minutos de Leitura

O México foi sede dos Jogos Olímpicos de 1968 e, dois anos depois, da Copa do Mundo de Futebol. Sua capital, a Cidade do México, está localizada a 2.250m acima do nível do mar. Essa peculiaridade fez com que a seleção brasileira “convocasse” um aliado para a preparação do tri. Lamartine Pereira da Costa, graduado em Educação Física e Ciências Navais, doutorado em Filosofia e livre docência em Gestão do Esporte, foi protagonista na Ciência do Treinamento Esportivo na década de 1960, contribuindo para o terceiro título mundial da Seleção Brasileira, na Copa do Mundo de 1970, sendo o responsável pelo planejamento do treinamento em altitude através do método Altitude Training, desenvolvido por ele mesmo, que foi o guia de sucesso para a preparação física da seleção brasileira no México.

Esse estudo sobre a altitude analisava os fusos horários, o tipo de treinamento a ser utilizado em cada etapa do processo de preparação, o uso da câmara de baixa pressão como suporte para a simulação dos efeitos da altitude em cada atleta de forma individual, a alimentação, as condições climáticas do local, a umidade do ar, os efeitos do stress, o horário de treinamento físico, técnico e tático mais adequado de acordo com os horários dos jogos, os resultados da massagem muscular em altitude e o preparo psicológico dos atletas com o objetivo de atingir o máximo do seu desempenho sob as condições ambientais negativas que o terreno oferecia.

Afinal, o que acontece, de fato, com o atleta que influencia negativamente no jogo? Quais efeitos colaterais que a altitude proporciona aos jogadores?

PO2 significa “pressão parcial do oxigênio” e refere-se à eficácia das trocas de oxigênio entre os alvéolos e capilares pulmonares. Uma boa PO2 está entre 80 e 100 mmHg (milímetro de mercúrio). Na altitude, essa PO2 cai, provocando diversas alterações fisiológicas no atleta, podendo ser de forma imediata e a longo prazo. Quanto maior for a altitude, menor será a PO2, e isso vale tanto para o atleta quanto para uma pessoa que não seja nativa.

A diminuição na PO2 acontece porque o número de moléculas de oxigênio por unidade de volume diminui. Essa hipóxia (deficiência no fornecimento de oxigênio celular) na altitude pode deteriorar o jogador. Por exemplo, o cérebro pode sofrer com problemas patofisiológicos, como déficit intelectual, depressão, diminuição da percepção visual e etc. Devido a essa menor PO2 na altitude, o organismo age e responde fisiologicamente para que o atleta possa suportar o ambiente hipóxico da região pois, quanto maior for a altitude, maior será o estresse no indivíduo.

Um dos ajustes fisiológicos imediatos que acontecem na altitude é a hiperventilação. A menor PO2 arterial estimula o sistema quimiorreceptor, que é composto por pequenos corpúsculos aórticos e carotídeos situados ao lado das artérias aorta e carotídea, que se localizam no peito e no pescoço. Esses corpos possuem grande vascularização arterial, e suas células neurais receptoras avisam a falta de oxigênio no sangue. Quando os corpúsculos aórticos e carotídeos são estimulados, seus receptores levam sinais pelos nervos vago e glossofaríngeo para o bulbo raquidiano. Esses sinais chegam ao centro respiratório e, imediatamente, ocorre o aumento na ventilação alveolar, o que faz com que a concentração do oxigênio (O2) alveolar fique próxima do ar ambiente da altitude e, consequentemente, facilitando o transporte de oxigênio para os tecidos.

Outro beneficio desse ajuste imediato da PO2 alveolar é que ele elimina a quantidade demasiada de dióxido de carbono (CO2) que é expirado com a hiperventilação, mitigando a concentração de íons de hidrogênio no sangue. Esse aumento da PO2 alveolar normaliza-se em algumas semanas. Porém, se o atleta for para uma altitude maior, essa hiperventilação voltará a acontecer para compensar a menor PO2.

Outro ajuste fisiológico imediato é o aumento do débito cardíaco e da frequência cardíaca. O aumento dos dois compensa a redução do O2 arterial, gerando maior fluxo sanguíneo para os músculos. Continuando, podemos falar do reajuste ácido-básico. Como é necessário realizar uma ventilação pulmonar aumentada para compensar a menor quantidade de moléculas de O2, o atleta acaba expirando uma quantidade maior de dióxido de carbono (CO2), acarretando em um aumento da potência do íon hidrogênio (pH) do sangue, o tornando alcalino. Para o organismo reverter esse quadro, os rins liberam mais íons de bicarbonato (HCO3) com o objetivo de manter o pH do sangue em valores normais.

Esperava-se que a grande exposição às grandes altitudes cause um maior acúmulo de lactato pelo fato do jogador realizar um maior esforço em virtude de uma falta de O2 no ambiente. Porém, foi evidenciado que, na altitude, o atleta apresenta menor concentração de lactato. Existem algumas teorias em volta do caso, sendo elas afirmativas para uma redução de íon bicarbonato (HCO3) na atividade do equilíbrio acido-básico. Outra tese seria a menor concentração de adrenalina, fornecendo uma menor estimulação à glicogenólise (degradação do glicogênio em glicose para obtenção de energia).

As regiões acima do nível do mar causam modificações na composição corporal, nas enzimas e nas células do atleta. Ele está sujeito a uma modificação porque sua massa muscular diminui, assim como as fibras rápidas e lentas, a massa corporal e o percentual de gordura , comprometendo a performance do atleta.

Como contornar?

Para o desempenho do jogador na altitude ser eficaz, é necessária uma aclimatação e adequada periodização. A aclimatação é o processo de permanência do esportista em uma determinada altitude até o organismo se adaptar a menor PO2. Durante esse processo, o volume, a intensidade e a frequência de treinamentos devem ser baixas, elevando-se de forma gradativa. Essa fase de treinos deve ser acompanhada por testes físicos, antropométricos e avaliações da técnica esportiva e tática.

Problemas de saúde

Alguns problemas de saúde podem ser diagnosticados em pessoas/atletas que foram submetidos de forma incorreta à altitude. As principais enfermidades ligadas à essa exposição são: mal agudo das montanhas, edema pulmonar das grandes altitudes e edema cerebral das grandes altitudes.

Cada vez mais presenciamos jogadores com mal-estar quando atuam nas regiões com altitude elevada. Com o calendário de jogos cada vez mais apertado, a aclimatação é cada vez menor, submetendo os atletas e comissões ao um perigo real. Negligenciar o período de aclimatação para os devidos treinamentos pode afetar não somente o bem-estar momentâneo, mas também as funcionalidades cerebrais, intelectuais, visuais e de percepção, principalmente nos atletas, que são os mais afetados pelo maior esforço.

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Ceilandense, palmeirense, 34 anos, ex-atleta de futebol, graduado em gestão pública e estudante de fisioterapia (5/8 períodos). De forma independente, produzo materiais sobre a área da saúde no esporte, especialmente sobre fisioterapia, o que engloba performance, preparação, prevenção e reabilitação, isso me ajuda, inclusive, a revisar e estudar as matérias da graduação.
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