O Ajax da década de 90

A Holanda tem relevância histórica enorme no futebol moderno, seja por produzir grandes jogadores ou novas ideias. O Ajax é o maior expoente disso – um dos times de maior sucesso no planeta, além de contar com um trabalho excepcional de categorias de base e filosofia de jogo. E uma das gerações mais talentosas dessa academia surge nos anos 1990.

Jeferson Wollace
Por Jeferson Wollace 6 Minutos de Leitura
O Ajax da década de 90

A Holanda tem relevância histórica enorme no futebol moderno, seja por produzir grandes jogadores ou novas ideias. O Ajax é o maior expoente disso – um dos times de maior sucesso no planeta, além de contar com um trabalho excepcional de categorias de base e filosofia de jogo. E uma das gerações mais talentosas dessa academia surge nos anos 1990.

O Noite de Copa junto à sua equipe de redatores apresentam mais um episódio de ESQUADRÕES IMORTAIS. Dessa vez, vamos viajar cerca de 30 anos no tempo e contar a história de uma das mais fantásticas gerações do futebol holandês, que em sua maioria jogava no Ajax dos anos 90.

ESQUADRÕES IMORTAIS | O Ajax da década de 1990.

Louis van Gaal é apontado como treinador da equipe principal do Ajax em setembro de 1991 com críticas. Pouco experiente e conflitante com Johan Cruyff, a quem os torcedores gostariam de ver no comando do clube. O arrogante treinador, entretanto, é uma das brilhantes mentes sucessórias ao Futebol Total. Suas referências também são um suco de Cruyff: desde os times do astro holandês com Rinus Michels, nos anos 70, até o próprio Barcelona do fim da década de 80. Combinado com a imersão de uma geração muito talentosa, o van Gaal se tornaria um dos grandes treinadores em pouco tempo.

O Ajax da década de 90

FUTEBOL TOTAL PARTE II

O Ajax de van Gaal apresentava muita movimentação e troca de posições, como manda o bom futebol holandês. O ótimo trabalho do clube em revelar jogadores prontos e já introduzidos à filosofia do time principal culminou em um elenco titular recheado de jovens que entendiam os conceitos aplicados pelo treinador. O estilo que prezava por coberturas e ataques aos espaços constantemente precisava de jogadores que trabalhassem duro para manter o padrão – e a nova geração do Ajax trouxe, além disso, uma das melhores safras laranjas da história.

Na segunda temporada do treinador, sem a maior das estrelas daquele grupo, Dennis Bergkamp, que foi à Inter de Milão, o elenco do Ajax contava, basicamente com os “moleques” e os experientes Danny Blind e Frank Rijkaard, que tinha deixado um dos melhores trabalhos da história no Milan de Arrigo Sacchi. Com toda essa jovialidade, era possível apostar nas trocas constantes e movimentação intensa, enquanto Rijkaard recuava para proteger a defesa.

Por mais que van Gaal e Cruyff tenham suas desavenças ao longo da história, os dois concordavam em como um time deveria jogar. O Ajax ia a campo em um 3-4-3 similar ao Barcelona à época, usando os pontas para manter a amplitude do time e controlando o meio-campo com um jogador a mais, para gerar superioridade numérica. Rijkaard fazia a função de Pep Guardiola como volante organizador e menos móvel, mas com mais trabalhos defensivos que o espanhol. Geralmente, o veterano holandês recuava para ser zagueiro em uma linha de quatro defensores, o que Guardiola fazia pouco.

O Ajax da década de 90

A primeira linha de defesa contava com Michael Reiziger na direita, Danny Blind, o capitão, no meio, e Frank De Boer na esquerda. Blind atuava como líbero, assim como Ronald Koeman no Barcelona. Na era do 4-4-2, ou simplesmente do par de atacantes à frente, era ele quem cuidava da sobra dos combates feitos à sua frente pelos companheiros. Os ideais aplicados por van Gaal permitiam que a linha de defesa se mantivesse estreita, de forma que Reiziger e De Boer não precisassem ir até a lateral. Para isso, os meio-campistas supriam essa necessidade, além de Rijkaard fazer a cobertura, e assim o Ajax mantinha o 3-4-3 para defender.

No meio-campo, ao lado de Rijkaard, estavam dois jovens incansáveis: Edgar Davids e Clarence Seedorf. Ambos eram responsáveis por cobrir a incapacidade do companheiro mais velho de pressionar, além de fecharem as laterais. Em ocasiões específicas, os dois teriam o trabalho de marcar os pontas adversários, como se fossem laterais, ao mesmo tempo em que faziam a ligação da defesa para o ataque.

Alguns modelos de jogo são simplesmente muito exigentes, como o gengerpressing de Jurgen Klopp nos dias atuais. Essa remasterização do carrossel holandês demandava demais dos principais aspectos de um jogador: físicos, mentais e técnicos. Além de talentoso, era preciso ser inteligente, aguentar e saber para onde correr, quais posições ocupar e, é claro, altruísta.

Os pontas eram cruciais para van Gaal. Marc Overmars e Finidi George eram velozes e capazes de levar a bola do campo de defesa até o ataque, além de ótimos passadores – como todos do time deveriam ser. O trabalho destes jogadores era simples: isolar os laterais adversários próximos à lateral. Isso resultava em diferentes opções, como explorar o um contra um e, principalmente, abrir espaço na defesa. Esse buraco formado pelos pontas era a área de atuação de Jari Litmanen, o responsável pela função de “número 10” no time. Era o meia atrás dos atacantes, que orquestrava o último terço do campo em um estilo similar ao de Bergkamp.

Os dois jogadores que disputavam pela posição de centroavante na equipe eram Nwankwo Kanu e Patrick Kluivert. Kanu, campeão Olímpico com a Nigéria em 1996, teve uma breve vantagem no início, mas foi Kluivert quem despontou como grande talento – e, além de tudo, marcou o gol do título da Champions League de 95. Essa era a posição de maior rotatividade entre os jogadores e, além dos dois supracitados, Ronald De Boer e Litmanen também figuraram na cabeça da área.

O Ajax da década de 90

RESPEITO AO MODELO DE JOGO

O Futebol Total precisava, como o nome diz, de total comprometimento. É um jogo coletivo, onde todos se ajudam e, teoricamente, ninguém brilha. Enquanto Cruyff foi uma estrela nos tempos de jogador, seu modelo de jogo no Barcelona tinha valores mais individualistas que o Ajax de van Gaal, que foi um futebolista bem menos famoso. O sistema estava acima de tudo e se um jogador não se adequasse, estava fora.

Isso também é um dos motivos pelos quais o Ajax contratava tão pouco e, quando o fazia, nunca era algum astro de fora. Era muito trabalho para que o novo jogador se adaptasse à filosofia do clube, e na época era muito mais difícil que um atleta badalado se rendesse dessa maneira. O foco na academia, além de ser mais lucrativo, dava a vantagem enorme que era o entrosamento. Os jogadores do time principal já se conheciam há anos e jogavam juntos nesse esquema desde pequenos. Era muito mais fácil que desse certo.

Até os treinos eram específicos e regrados para que o estilo de jogo funcionasse. van Gaal estava além do seu tempo ao mapear eficiência dos jogadores durante as sessões de treino e construir padrões mecânicos e psicológicos nos jogadores. Os goleiros deveriam saber jogar com os pés, uma vez que a regra do recuo acabara de entrar em vigor, em 1992, e Edwin van der Sar não veria problema nisso, enquanto os arqueiros da Premier League sofriam. Os meio-campistas não poderiam ultrapassar os pontas durante o ataque, os atacantes eram orientados a infiltrar nos espaços sempre e, caso não houvesse sucesso na investida, tudo era recomeçado após uma inversão rápida para o outro lado do campo.

Treinos que refletiam exatamente em performance em campo, mas nem por isso eram chatos – tinha até dancinha.

O Ajax da década de 90

TÍTULOS E LEGADO

A mão de van Gaal estava presente em tudo nesse time histórico. Desde a atenção que ele exigiu às categorias inferiores, o comprometimento em focar nos fundamentos essenciais e cultivar a cultura do clube. Em seu tempo no Ajax, o treinador venceu:

Eredivise de 93/94, 94/95 e 95/96
Supercopa da Holanda de 94 e 95
UEFA Champions League de 94/95
Supercopa da UEFA de 95
Mundial de Clubes de 95

Depois do título da Champions League em 1995 em cima do Milan, os garotos de Amsterdã iriam a outra final, no ano seguinte, contra a Juventus. Uma reedição da final de 1973, que viu Cruyff levantar a taça, mas com outro desfecho. A derrota para os comandados de Marcelo Lippi desencadeou uma série de saídas. Muitos foram para a Itália: Seedorf para a Sampdoria um ano antes, Davids e Reiziger ao Milan e Kanu à Inter. George foi para o Real Betis e Kluivert ao Barcelona – onde, depois, van Gaal desembarcaria.

E o talento foi junto. A ótima seleção holandesa de 1998, que perdeu para o Brasil, era, em sua maioria, cria do Ajax. O mesmo com a da Euro de 2000. E os jovens que saíram de Amsterdã foram ser grandes jogadores – alguns até ídolos – de onde passaram. Casos como o de van der Sar no Manchester United, Overmars no Arsenal, Seedorf no Real Madrid e Milan, Davids na Juventus e Kluivert no Barcelona.

O Ajax ainda é um celeiro de bons jogadores e a principal fonte do futebol holandês, talvez o último grande feito do time foi na temporada 2018/19 quando eliminaram o Real Madrid atual campeão da UEFA Champions League naquela temporada, com uma geração muito boa de De Ligt, van de Beek e Frankie De Jong.

O Ajax da década de 90
Apaixonado por futebol, especialista em futebol alemão e história do futebol. Historiador, acúmulo também conhecimento também na literatura, tendo escrito dois livros.
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