Existem derrotas que doem e existem derrotas machucam e como todo machucado que se prese deixam uma ferida aberta que demora a fechar, ou talvez nem fecham.
O Noite de Copa junto à sua equipe de redatores apresentam JOGOS IMORTAIS, nesse quadro vamos falar sobre jogos marcantes do futebol e o primeiro episódio é sobre o jogo que despertou a paixão deste que vos escreve pelo futebol alemão, o jogo entre Alemanha e Itália pela semifinal da Copa do Mundo 2006, dois tri campeões, quem passasse iria fazer a final em Berlim.
JOGOS IMORTAIS | SIAM PRONTI ALLA MORTE. L’ITÁLIA CHIAMÒ (Alemanha x Itália 2006).
FESTA ALEMANHA NA COPA DO MUNDO EM CASA
A Alemanha estava em festa. Sua desacreditada seleção estava a dois jogos de conquistar o título mundial em casa, feito que já havia alcançado em 1974. A primeira semifinal ocorreria no Signal Iduna Park (antigo Westfalenstadion), em Dortmund, e seria um dos maiores clássicos do mundo. Alemanha e Itália já nos brindaram com diversas partidas memoráveis e essa seria mais uma delas.
O retrospecto italiano contra os alemães é ótimo, principalmente em fases decisivas. A Azzurra já tinha vencido nas semifinais em 1970 (4 x 3) e na final de 1982 (3 x 1), além de dois empates sem gols (em 1962 e 1978).
Na estreia de 2006, a Alemanha bateu a Costa Rica por 4 a 2. Na segunda partida, o gol da vitória (1 x 0) sobre a rival Polônia foi arrancado aos 46 minutos do segundo tempo. No terceiro jogo, completou os 100% de aproveitamento ao atropelar o Equador por 3 a 0. Nas oitavas de final, ganhou tranquilamente da Suécia por 2 a 0. Nas quartas, uma verdadeira batalha no clássico contra a Argentina: após empate por 1 a 1, venceu nos pênaltis por 4 a 2, com uma grande confusão no final. Na briga generalizada, o argentino Julio Cruz acertou um tapa no alemão Torsten Frings, que revidou com um soco. A FIFA suspendeu Frings por uma partida e o meia seria o grande desfalque da Alemanha na semifinal.
A Squadra Azzurra se classificou como líder na fase de grupos com sete pontos, vencendo Gana por 2 a 1, empatando com os Estados Unidos em 1 a 1 e vencendo a República Tcheca por 2 a 0. Nas oitavas de final, precisou de um pênalti duvidoso aos 50 minutos do segundo tempo para eliminar a Austrália. Nas quartas de final, passou sem sustos pela Ucrânia, com um convincente 3 a 0 – uma bela noite, na qual a torcida italiana lavava a alma, cantando “Un estate italiana”, tema da Copa de 1990. Se a Alemanha conquistou a Copa sediada na Itália, agora a Squadra Azzurra poderia se vingar se vencesse o Mundial em solo germânico.
As cores da bandeira alemã predominavam no estádio. A torcida local, que era claramente a maioria esmagadora dos 65.000 expectadores, acreditava plenamente que seu país estaria na decisão no próximo domingo, em Berlim.
Paulo Vinícius Coelho disse em seu livro “Os 55 maiores jogos das Copas do Mundo (2010)” que a empolgação dos torcedores italianos também era tamanha, que em determinado momentos eles gritavam a plenos pulmões: “Tutti a Berlino / Andiamo tutti a Berlino”, cantando no ritmo do sucesso cubano “Guantanamera”.
O JOGO
Era um confronto de dois técnicos completamente diferentes. Marcello Lippi, jogador mediano, treinador experiente e extremamente tático. Jürgen Klinsmann, um craque de bola, em seu primeiro trabalho como técnico. O ex-atacante alemão era um dos heróis de 1990, quando conquistaram a Copa pela última vez até então.
Klinsmann precisaria contar com uma noite inspirada de sua dupla de ataque, os poloneses naturalizados Lukas Podolski e Miroslav Klose.
A Itália não tinha mais que cinco mil torcedores no estádio, mas a seleção de Marcello Lippi era experiente e não se deixava intimidar. A única alteração em relação às quartas de final era o retorno de Marco Materazzi, que voltava de suspensão. Francesco Totti começou como titular, deixando Alessandro Del Piero no banco.
OS PRIMEIROS 90′
Foi um jogo morno, com poucas chances de gol para os dois lados. No primeiro tempo, os italianos tiveram mais chances e criaram a primeira oportunidade. Simone Perrotta adiantou demais a bola, Jens Lehmann saiu para a dividida e ficou com ela.
Depois, Totti cobrou falta com força e Lehmann agarrou firme. Os alemães viram que a partida não seria tão fácil, mas se acalmaram e começaram a jogar melhor. Eles reclamaram em vão de um pênalti, quando a bola tocou no braço de Pirlo dentro da área. Mas era muito difícil passar pela defesa da Squadra Azzurra, liderada pelo capitão Fabio Cannavaro. Se a bola passasse pela zaga, tinha uma muralha chamada Buffon para impedir o gol.
Em uma mostra disso, Klose passou pela defesa, mas adiantou demais e Buffon apareceu para tirar o perigo da área.Os alemães perderam a melhor oportunidade. Em bela troca de passes no ataque, a bola sobra para Bernd Schneider, que chuta forte. Buffon desvia com a pontinha da luva e a bola vai por cima. A Itália ameaçava com os passes precisos de Pirlo, criador da maioria das jogadas perigosas. Mas quase todas acabavam nas mãos do goleiro Lehmann.
No segundo tempo, os donos da casa pediram outro pênalti, de Cannavaro em Podolski, que o árbitro assinalou fora da área. Fabio Grosso avança, mas para em Lehmann. Era um jogo para consagrar dois grandes goleiros. Faltando 16 minutos para o final, a Itália remaneja o time em busca do gol. Alberto Gilardino substitui Luca Toni.Perto do final, Totti faz o passe por cobertura para Perrotta, mas Lehmann sai de soco para tirar o perigo.
E os primeiros 90 minutos terminaram sem gols.
A PRORROGAÇÃO
A partida ganhou emoção mesmo na prorrogação, tal qual aconteceu 36 anos antes, na semifinal da Copa do Mundo de 1970 (Itália 4 x 3 Alemanha Ocidental) – mas nem tanto dessa vez… A Itália foi mais para cima ainda, com o atacante Iaquinta no lugar do meio campista Camoranesi.
Os lances de perigo foram mais frequentes a partir dos 3 minutos, quando Totti cobrou uma falta e assustou o goleiro Lehmann. A Itália persiste no ataque. Gattuso fica sozinho no balanço defensivo, dando mais liberdade para Pirlo.
A Alemanha nunca havia perdido uma decisão por pênaltis na história das Copas, enquanto a Itália não tinha um bom retrospecto (tinha sido eliminada dessa forma em 1990, 1994 e 1998). Por isso, a Azzurra partia para decidir logo com a bola rolando. A ousadia italiana rendeu duas bolas na trave em menos de um minuto.
Gilardino ganha disputa com Metzelder na direita, invade a área, chega na linha de fundo, passa por Ballack com um corte para o meio e, já dentro da pequena área, chuta fraco de esquerda e a bola bate na trave. Um lindo lance, que poderia ter decidido o jogo. Um pecado essa bola não ter entrado.
Zambrotta ameaça novamente com um chute no travessão. A Alemanha passava por maus bocados.
Marcello Lippi sente que é o momento de dar o golpe fatal. Ele opta por colocar outro atacante. A Itália não jogava com quatro no ataque desde o início da década de 1960. Alessandro Del Piero entrou para dar o último gás. Um dos jogadores mais talentosos e consagrados da Itália, Del Piero tinha se tornado recentemente o maior artilheiro de todos os tempos da Juventus, em sua 12ª temporada no time.
Mas essa vocação ofensiva mostrou a fragilidade defensiva dos italianos, permitindo o contra-ataque aos alemães. Klinsmann troca o inoperante Klose por Oliver Neuville (outro naturalizado, nascido na Suíça).
Podolski chuta forte e Buffon espalma por cima. Kehl chutou e a bola passou muito perto do gol de Buffon. Os alemães, já sem pernas, foram se segurando. A Itália tinha mais posse de bola, com 57%. E seguia pressionando aos 29 minutos da prorrogação. Quando (quase) todos davam o jogo por encerrado, esperando a disputa de pênaltis, a partida se resolveu.
Del Piero bate o escanteio e Friedrich desvia para a meia lua. Pirlo domina e vai puxando com calma para a direita. Com um passe açucarado, ele acha Fabio Grosso livre no meio dos zagueiros. O lateral esquerdo não “honrou” o sobrenome e bateu com estilo, com muita curva, e a bola morreu no canto direito de Lehmann.
A comemoração de Grosso lembra a de Marco Tardelli no gol da final do Mundial de 1982, contra a mesma Alemanha.
A Itália estava quase na final.
E os alemães partem para o tudo ou nada, se lançando à frente. Mas seriam castigados por isso.
No último lance do jogo, veio o tiro de misericórdia. Podolski erra um passe na intermediária. Cannavaro rouba a bola e deixa com Totti. Ele dá um ótimo passe para Gilardino, que faz muito bem o papel de pivô, segura a bola e toca na passagem de Del Piero na esquerda. O craque juventino, com uma tranquilidade monstra na finalização, deu um toque por cobertura e mandou a bola no ângulo, coroando uma jogada toda extraordinária. Depois de um contra-ataque fulminante de 80 metros, Del Piero coloca seu nome no panteão dos heróis das Copas do Mundo.
Um duro golpe para os alemães, que tentavam conquistar seu segundo título como anfitriões, 32 anos depois. No fim, um doloroso silêncio na “Muralha Amarela” do Westfalenstadion, que naquela noite era toda branca. Agora, era luto.
DESMORONA O SONHO ALEMÃO, É REAL O SONHO ITALIANO
Como consolação, o alemão Lukas Podolski ganhou o prêmio de melhor jogador jovem da Copa.
Curiosamente, o atacante Alberto Gilardino, que foi fundamental nessa vitória na semifinal, completou 24 anos no dia seguinte a essa partida. Ele nasceu em 05/07/1982, poucos minutos depois que a Itália eliminou o Brasil na Copa do Mundo daquele ano.
Na decisão do 3º lugar, a Alemanha venceu Portugal por 3 a 1 e saiu de cabeça erguida.
A Itália estava na final contra a França, liderada por Zinédine Zidane.